Pregadores improviso

08/06/2015 11:31

A igreja evangélica, historicamente, é conhecida por não conter imagens sagradas, objetos sagrados, símbolos diversos além de possuir um culto espontâneo e sem rituais rígidos a serem seguidos. O principal momento do culto evangélico é a hora da pregação (do sermão); momento este em que a bíblia é ensinada ou pelo menos alguma reflexão sobre o texto bíblico é realizado, portanto podemos determinar que na igreja evangélica o principal momento do culto é a pregação (ou exposição) da bíblia.

A preocupação com a pregação vem dos tempos bíblicos, já no Novo Testamento encontramos o apóstolo Paulo ensinando a Tito sobre sua pregação e dizendo: “Quanto a ti, ensina o que convém à sã doutrina[1]”; apenas lendo este versículo não é difícil entender que Paulo está preocupado com o que Tito deveria ensinar para a igreja. Portanto Tito deveria se dedicar ao estudo da Palavra de Deus, avaliar e julgar os ensinos propostos por outros, e então ensinar a igreja apenas aquilo que é bom à luz da bíblia.

O movimento pentecostal abriu espaço para a pregação leiga na igreja, ou seja, tirou a exclusividade dos teólogos, já graduados e consagrados para o exercício da pregação, abrindo espaço para os demais membros da igreja. Esta proposta se tornou uma das peças fundamentais para a explosão do movimento pentecostal no Brasil, pois aquela pessoa que possui chamado de Deus para o ministério e consegue boa desenvoltura na pregação, rapidamente ganhava espaço e assim a igreja pentecostal cresceu muito. Como toda inovação tem seu preço, a longo prazo surgiu o pensamento de que o estudo sistemático da bíblia era desnecessário, pois o que realmente importa é pregar (mesmo sem qualificação) e o Espírito Santo vai capacitando ao longo do tempo. A falta de uma teologia sólida, trouxe muitas discussões doutrinárias dentro do movimento pentecostal e, consequentemente, divisões a partir destas opiniões doutrinárias. Até hoje, sofremos com isto, ao ver, por exemplo, o quanto a igreja Assembleia de Deus é dividida; basta observar os milhares de campos (ou ministérios) que a Assembleia de Deus possui.

Não podemos ser dogmáticos[2] para discutir uma questão tão séria. Certamente o Espírito Santo qualifica pessoas para o ministério sem necessidade de qualquer outra orientação convencional, mas também não podemos desprezar o estudo regular da bíblia. No Artigo 02 da Confissão Belga está escrito: “... Deus se faz conhecer ainda de forma mais clara e plenamente por sua Sagrada e Divina Palavra[3]”. Seguindo este conceito consagrado desde a reforma protestante, se torna inegável a importância de estudar sistematicamente as Escrituras Sagradas, pois se Deus se revela nas Escrituras, estudar a Bíblia é conhecer a Deus.

Como obreiros do Senhor precisamos estar prontos para a qualquer momento falar de Deus. Eventualmente pode acontecer (e acredito que já aconteceu com todos), a necessidade de ministrar a palavra e não foi possível a devida preparação. Como não estava preparado, teve que improvisar, nestas horas, podemos contar sempre com a misericórdia de Deus, que nos capacita, e não abandona jamais. Como não foi possível preparar antecipadamente a mensagem para a igreja, a experiência e conhecimento prévio de vários textos nas escrituras é sempre nosso aliado. O pregador conta com seu conhecimento bíblico adquirido ao longo da caminhada cristã, além da experiência como pregador; haja o que houver, sempre oferecemos o nosso melhor.

Gosto de dizer aos alunos do seminário que somos como uma caixa de ferramentas, e que Deus é o profissional. A ferramenta por si só não pode fazer nada, mas nas mãos do bom profissional, muitos trabalhos, consertos e até mesmo belas obras de arte são realizadas (ou será que qualquer um segurando o pincel de Picasso pode pintar tão bem?). Um mecânico, por exemplo, estando com sua caixa de ferramentas a mão, ele sabe bem o momento certo de usar cada ferramenta.

De modo semelhante, Deus usa cada ferramenta que possui. Se eu, ou você possuímos boa experiência cristã e algum conhecimento bíblico, Deus usará em favor da Sua obra. Não que a minha ou a sua experiência seja importante para Deus, mas Deus em sua infinita bondade e misericórdia usa nossas vidas. Como ferramenta na obra de Deus, não podemos nos apresentar como uma caixa de ferramentas vazia, ou com poucas opções, ou mesmo como uma ferramenta quebrada.

O apóstolo Paulo diz que devemos nos apresentar como obreiro que “... maneja bem a palavra da verdade[4]”. Qualquer que seja a habilidade é preciso teoria, e muito treino. Quando vemos um atleta (olímpico, por exemplo) se apresentando, não há dúvida de que muitas horas foram dedicadas em treinamento para aqueles minutos de apresentação. Manejar bem a palavra da verdade requer semelhante dedicação e força de vontade.

Não existe atividade que possa ser desempenhada sem conhecimento, estudo e prática. Você procuraria um médico que não estudou medicina? Confiaria a construção de um edifício a alguém que não estudou engenharia civil? Deixaria seu filho(a) com uma babá sem nenhum conhecimento sobre cuidar de crianças? Por que então Deus deve confiar a obra Dele a alguém que não considera importante estudar a bíblia?

Muitos pregadores defendem a improvisação no Salmo 81:10 quando diz: “... abre bem a tua boca, e eu encherei.[5]” No entanto, extrair somente a última parte do versículo e interpretá-lo fora do contexto é incorreto[6]. O salmo 81 fala sobre se alegrar e obedecer a Deus. É um salmo para o culto. Falando especificamente na segunda parte do versículo 10, Deus não está dizendo que irá encher a boca de palavras (pregação) para a igreja, mas sim de alimento (comida). Todo o verso 10 diz: “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito; abre bem a tua boca, e eu encherei.[7]” Vamos entender melhor este versículo avaliando suas três sentenças.

  1. Eu sou o SENHOR, teu Deus: Deus se apresenta como verdadeiro e único Deus. Esta é à base do relacionamento de Israel com Deus; faz lembrar Êxodo 20:1 “Eu sou o SENHOR teu Deus...”
  2. que te tirei da terra do Egito: Como prova do Seu amor e poder, Deus livrou o povo da escravidão e levou para a terra que jurou a Abraão. Havia vários deuses no Egito, mas não houve compaixão aos escravos por parte destes deuses. Mas o Deus de Israel, não cultuado no Egito, teve misericórdia dos israelitas, os libertou da escravidão e deu uma terra que “mana leite e mel[8]”. Os deuses do Egito não puderam fazer nada contra o Deus de Israel.
  3. abre bem a tua boca, e eu encherei: Deus não livrou o povo para morrer de fome. Como prova do Seu grande amor, Deus também irá sustentar o povo que livrou da escravidão. Os israelitas deveriam lembrar diariamente de que Deus suprirá todas as necessidades. Esta parte final deste versículo é traduzido na bíblia NTLH[9] da seguinte forma: “Abram a boca, e eu os alimentarei”.

Definitivamente o Salmo 81:10 não pode ser usado para falar em pregação (ou ensino) da bíblia. Uma vez que seu texto e contexto fala sobre o cuidado de Deus com a nação de Israel.

A bíblia não condena a busca de conhecimento bíblico, quando Jesus disse “Errais, não compreendendo as Escrituras nem o poder de Deus[10]“; Jesus estava criticando os Saduceus pela interpretação da lei sem a compreender o poder de Deus revelado nas Escrituras. Jesus não está dizendo que o conhecimento da lei privou os saduceus do conhecimento de Deus. Jesus está dizendo que não adiantou conhecer a lei e não conhecer o pode de Deus. Contudo a questão do desconhecimento de Deus não está ligado ao conhecimento da lei. Ou por acaso todos os que são leigos na bíblia são profundos conhecedores de Deus?

No livro de Eclesiastes, Salomão falando sobre sabedoria, diz: “Então comecei a pensar no que é ser sábio e no que é ser tolo ou sem juízo... E cheguei à conclusão de que a sabedoria é melhor do que a tolice, assim como a luz é melhor do que a escuridão.”[11]; em Provérbios Salomão deixou registrado: “Feliz o homem que acha sabedoria, e o homem que adquire conhecimento[12]”; e concluir no capítulo seguinte: “A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria; sim, com tudo o que possuis, adquire o conhecimento.[13]

Estes versículos falam da importância da sabedoria e de buscar conhecimento. A simples leitura dos textos acima deixa claro o quanto somos instruídos a valorizar e buscar a sabedoria e o entendimento. Em provérbios 04:07, referente a alcançar sabedoria, foi usado a palavra adquirir, em outras palavras podemos dizer “comprar” ou “conquistar”. Uma antiga expressão popular brasileira diz que “ninguém nasce sabendo”. Uma questão é não sabermos, outra questão é nos conformar com isto, entender que Deus prefere os despreparados e, consequentemente pregar e ensinar a Palavra de Deus relaxadamente. Precisamos aprender a cada dia aumentar nossa dedicação a palavra de Deus, lendo, refletindo nela e buscando entendimento. E acima de tudo orar para Deus fale através da nossa boca. Jhon Forsyth disse: “Um cristianismo de sermões pequenos é um cristianismo de pouca fibra”

Não podemos permitir que o púlpito de nossas igrejas seja lugar para improvisação, com sermões superficiais carregados de reflexões pessoais. Quando o pregador não possui conhecimento do bíblico sua pregação se torna superficial devido a pouca ou nenhuma base bíblica. Então temos que nos perguntar: Se o pregador não vai ensinar a bíblia, o que ele vai ensinar?

Deixemos a improvisação para artistas em suas apresentações. E.M. Bounds[14] disse que a “Pregação não é a atuação de uma hora. Pelo contrário é o produto de uma vida”. Boa fluência verbal, boa postura corporal, domínio de auditório ou facilidade de improvisação não fazem um pregador da Palavra de Deus. Que o púlpito das nossas igrejas não seja lugar para improvisos, mas sim o lugar onde a palavra de Deus é pregada.

 

Referencias Bibliográficas

Bíblia de Estudo de Genebra. 2 edição. Editora Cultura Cristã, 2009 (título original The Spirit of the Reformation Study Biblie – Ecelsis Center Inc.)

GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Editora Vida Nova; São Paulo 1993.

LOPES, Hernandes Dias. De: Pastor A: Pastor – Princípios para ser um pastor segundo o coração de Deus. Editora Hagnos; São Paulo 2008

DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. Editora Nova Vida, 1997

FORSYTH, Jhon. Between two Words – The Art of Preachin in the Twentieth Century, p. 294

Bíblia de Estudos NTLH. Sociedade Bíblia do Brasil. Editora SBB 2006

 


[1]     Tito 2:1 (tradução CNBB)

[2]     Dogmático: Que tenta impor o seu dogma; que tenta impor sua opinião religiosa ou crença.

[3]     Confissão Belga – Manual contendo regras de fé, escrita no séc. XVI e que tem como seu principal autor o pregador reformado Guido de Brès

[4]     II Timóteo 2:15

[5]     Salmos 81:10 conforme Bíblia Almeida do Sec. XXI. O versículo completo é “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito; abre bem a tua boca, e eu encherei.

[6]     Como na expressão popular: “texto sem contesto é pretexto”

[7]     Ibidem 5

[8]     Conforme Deuteronômio 26:9 “Ele nos trouxe a este lugar e nos deu esta terra, terra onde manam leite e mel” (NVI)

[9]     Bíblia NTLH – Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Sociedade Bíblica do Brasil

[10]   Mateus 22:29

[11]   Eclesiastes 2:12 e 13 - NTLH

[12]   Provérbios 3:13

[13]   Provérbios 4:07

[14]   Citado por Hernandes D. Lopes em De: Pastor A: Pastor